quarta-feira, 24 de junho de 2009

Feliz Ano Velho

"Subi numa pedra e gritei:
— Aí, Gregor, vou descobrir o tesouro que você escondeu aqui embaixo, seu milionário disfarçado.Pulei com a pose do Tio Patinhas, bati a cabeça no chão e foi aí que ouvi a melodia: biiiiiiin.Estava debaixo d’água, não mexia os braços nem as pernas, somente via a água barrenta e ouvia: biiiiiiin. Acabara toda a loucura, baixou o santo e me deu um estado total de lucidez:“Estou morrendo afogado.” Mantive a calma, prendi a respiração, sabendo que ia precisar dela para boiar e agüentar até que alguém percebesse e me tirasse dali. “Calma, cara, tente pensar em alguma coisa.” Lembrei que sempre tivera curiosidade em saber como eram os cinco segundos antes da morte, aqueles em que o bandido com vinte balas no corpo suspira..."

Hoje eu quero falar sobre um livro que li há um tempo já, talvez uns dois anos atrás. Você pode estar se perguntando por que falar dele agora? Na verdade eu já até comentei sobre ele aqui no blog, mas não me aprofundei na história, nem no que aprendi com essa leitura.

Em um dia qualquer, há uns dois anos atrás, eu estava na casa do meu namorado e ele me chamou pra ir a um quartinho dos fundos, calma gente, não é isso que vocês estão pensando... ele só queria procurar umas ferramentas, é que o tal quartinho é cheio traquitanas e caixas de livros velhos. Enquanto ele procurava o que precisava eu fiquei mexendo nesses livros, e achei um best-seller dos anos 80, que eu já tinha ouvido falar, mas nunca tinha tido a oportunidade de ler, e estava lá esquecido e todo empoeirado, então pedi emprestado. Mal sabia eu que aquele livro velho, de páginas amareladas iria mudar minha vida.

Mas, chega de suspense, e vamos ao que interessa. O nome do livro é “Feliz Ano Velho” de Marcelo Rubens Paiva. Uma obra autobiográfica lançada em 1982. Conta a história de um rapaz, que ainda na infância, teve o pai, o deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura. E aos 20 anos de idade em uma viagem de fim de semana com uma turma de amigos, em uma brincadeira pulou num lago atrás do “tesouro do tio Patinhas” e bateu a cabeça em uma pedra rachando a coluna vertebral, a brincadeira custou-lhe os movimentos do corpo, já que ficou tetraplégico. Uma história, que a princípio pode parecer trágica, na verdade é uma história de superação, cheia de emoção, com toques até de bom-humor, por que não?! Conta-nos a trajetória de um jovem que viveu plenamente como se cada minuto fosse o último.

A princípio sua reação foi de negação, ele não conseguia aceitar o fato de ficar daquele jeito para sempre. Como quando ele recebeu alta do hospital, ele pensou: “Esse médico filho da puta (desculpe a expressão, mas ele era assim) vai me dar alta, sendo que ainda estou paralisado, eu ainda não estou bom!”. Depois ele foi percebendo, e aceitando, que aquela sua condição era permanente, e só o que restava era tentar conviver com aquilo da menor maneira possível. Como ele mesmo disse um ano após o acidente. “Meu futuro é uma quantidade infinita de incertezas. Não sei como vou estar fisicamente, não sei como irei ganhar a vida e não estou a fim de passar nenhuma lição. Não quero que as pessoas me encarem como um rapaz que apesar de tudo passa muita força. Não sou modelo para nada. Não sou herói, sou apenas uma vítima do destino, dentre milhões de destinos que nós não escolhemos. Aconteceu comigo. Injustamente, mas aconteceu. É foda, mas que jeito...".

No decorrer do livro nós vamos percebendo que precisamos de tão pouco pra ser feliz. Deparamos-nos com situações, diria até constrangedoras, de por exemplo ele não poder se vestir sozinho, nem escovar os dentes. São situações que nos fazem parar pra pensar e valorizar as pequenas coisas do nosso dia-a-dia nas quais nem damos importância, tornam-se tão banais que nem percebemos o quão maravilhosas elas são.

Ele conta ainda a importância dos seus amigos, que sempre estavam lá com ele cantando, tocando violão, contando piadas, fazendo daquele momento de dor o mais leve possível. Conta-nos ainda a saudade que sentia de fazer pequenas coisas com cada um deles, como ir ao shopping, tomar sorvete...

São doze meses deitado em uma cama, dose meses de uma recuperação lenta e dolorosa, dose meses de reflexão, detalhes da sua vida que se passavam como se fosse em uma tela de cinema, detalhes antes irrelevantes tomando grandes proporções, e ele ali sem poder se mexer, com uma coceira desgraçada que uma enfermeira bondosa ajudava a coçar. Depois veio o tratamento, ele começou a conviver com pessoas que como ele tinham perdido seus movimentos e que tocavam a vida de formal natural, tentando ser independentes dentro do limite de suas condições. E vieram os exercícios, as fisioterapias, com o tempo ele já podia mexer as mãos, depois os braços.

O ano novo se aproxima, os amigos não faltam, a mãe (grande guerreira) continua ali firme e forte, as irmãs (sempre tão queridas) seguram sua mão. Mesmo em uma cadeira de rodas é preciso continuar, sua mente não está paralisada. Após um ano de muitas mudanças, as pernas estavam redondas, ele estava mais magro, com barba. Nada resta a fazer, apenas desejar a si mesmo um FELIZ ANO VELHO, pois não terá um novo. Não sabe se estaria melhor morto, mas não quer pensar.

"Levei um ano para escrever este livro, tinha 26 anos. Ouvia Clash, era punk. Fiz só um tratamento depois de escrever, é meu livro mais visceral. É um livro que tem muitos flash-backs, que apareciam quando eu estava cansado de escrever a história principal, do acidente, e começava a falar sobre outras coisas. É um livro sobre construção de identidade, de fé, não é só um livro sobre o acidente"(Marcelo Rubens Paiva)


Voltando pra pergunta do início do texto: por que falar nesse livro agora, depois de dois anos? Na verdade desde aquele dia a história desse jovem rapaz faz parte de mim, da minha percepção de mundo. Foi uma história que me tocou profundamente e que jamais esquecerei.



Foto atual do escritor Marcelo Rubens Paiva



Trecho do livro:

"De repente vejo pousar uma nota de cinqüenta cruzeiros no meu colo. Era uma velha que tinha jogado e saído rápido. A princípio não entendi, mas depois não agüentei e caí na gargalhada. Ela tinha me dado uma esmola. E como dissera meu amigo paraplégico Silvio: ser deficiente também tem suas vantagens".



Beijos, beijos, beijos \o/

3 comentários:

Danilo Bona disse...

E eu?eu...dou valor a ocasião de ter te conhecido, e a partir dessa dádiva vc conseguiu me transformar em uma pessoa melhor...mais arrumada...mais vaidosa...mais amada e principalmente...em estar preocupado em querer teu seu amor pra sempre comigo!!!

Te amo pra sempre meu bem

Lanna Cavalcante disse...

vamos valorizar o dia que nasce, nossos braços, nossas pernas, nossos sentidos... eu amo estar viva!!!

Unknown disse...

Esse livro li a uns 10 anos atrás, nunca , jamais esqueci...